Acredito que nem sempre o ano de
nascimento conta. Porque vivências e experiências precoces nos fazem mais
velhos ou porque o modo como vivemos e os projectos que arquitectamos nos fazem
mais jovens.
Neste caso, os 39 anos de Natal
têm a ver com as memórias dessa época. Tinha 4 anos quando o menino Jesus me
trouxe uma bicicleta com rodinhas. E esta é a memória mais antiga que tenho da
perplexidade e encantamento que (ainda) gosto que marquem esta noite mágica.
Tão forte, quanto o encantamento
e deslumbramento de receber o ansiado, foi a perplexidade. A dúvida instalou-se
e tinha de ser esclarecida, como tinha sido possível que a bicicleta tivesse
passado pela estreita chaminé e estivesse ali, junto ao meu sapatinho, intacta,
linda, com as franjinhas que pendiam de cada lado do guiador limpinhas e
luzidias. Fui junto ao fogão olhar para cima e verificar se a chaminé tinha
vestígios ou marcas da descida, que poderia ter sido tudo, menos fácil. Mas
nada, estava tudo como sempre. Inquiri! E a resposta, pronta, veio de um dos
meus irmãos (com mais 17anos que eu) que convictamente me explicou que vinha
tudo desmontado e que a montagem era feita na cozinha, muito rápida graças à
magia, entre os ramos de criptoméria e cedro que forravam e perfumavam a
cozinha habitualmente naquela noite.
Foi a minha apresentação à magia!
Desde essa noite, até hoje, acredito que a magia nos surpreende anualmente à
espera de fazer brotar um sorriso, melhor se riso for, e ar de surpresa e
satisfação timbrado no rosto. Seja o menino Jesus, como sempre a minha mãe nos
ensinou, ou o Pai Natal com ar de velho simpático e colorido que o séc. XX fez
vingar na nossa sociedade (ainda) muito consumista. Ou, muito melhor ainda,
alguém do nosso mundo dos afectos, que se empenha em surpreender-nos e nos
provocar o sorriso ou a alegria que rapidamente se estampa na cara das
crianças. Sabe tão bem esse aconchego de mimo. Pensar que se empenharam em
escolher ou em fazer algo que nos agrade, determinados em esconderem o mais
pequeno vestígio de suspeita para que a surpresa seja grande, para que o
inesperado seja real e a alegria aconteça.
Claro que mesmo essa magia tem um
reverso. Sabermos que há crianças a quem esta magia não chega. Porque a
sociedade não permite condições para que os adultos responsáveis por elas se
possam preocupar com isso ou sequer valorizar a importância do imaginário no
desenvolvimento infantil ou porque os adultos sendo espartanos (pelo menos uma
vez por ano) acham que as crianças devem saber desde cedo que a magia não tem
lugar na Vida.
Tamanho erro! O imaginário é
essencial para pequenos e graúdos. E só se o viverem em pequenos se tornam
adultos empenhados e convincentes na passagem do testemunho aos pequenos
seguintes.
Isto é Natal! Essa é a magia da
figura simbólica que adquire formas humanas ou não. Mandam as leis do Castelo dos Afectos e do Mundo
dos Mimos, que se faça uma declaração de Amor através de símbolos vulgares,
pelo menos uma vez por ano.
Publicado no Mundo Açoriano a 23 de Dezembro de 2011